Vinho de história milenar se refina com menos açúcar e mais mineralidade
Quando se fala de vinho italiano, facilmente vem à cabeça uma variedade atípica, um tinto espumante e adocicado (ou Amabile) de preço muito baixo e fácil de encontrar em qualquer ponto de venda: o Lambrusco, produto da Emilia-Romagna com origens milenares que remontam aos Etruscos, e hoje é exportado em quantidades cavalares ao mundo todo, mas que carrega a fama de ser um vinho "inferior".
A má fama do Lambrusco se deve, entre outros fatores, ao seu próprio sucesso, que fez a demanda explodir, mas também a um fator que pode ser atribuído à sua região de origem: os solos são férteis e as videiras têm um rendimento bastante alto, o que acabou atraindo o interesse de grandes grupos, que ainda hoje utilizam um método produtivo industrial, mas também homogeneizou a produção, para aumentar seu apelo comercial e derrubar valor de mercado, bem como a sua qualidade.
O desdém por esta variedade, conhecida por sua acidez vibrante, aroma de frutas vermelhas frescas e espuma delicadamente rosada, chega a tal ponto que a maioria dos guias de vinhos reúne seus produtores numa única alínea dedicada à região, destacando praticamente uma dezena de produtores mais dedicados. Oz Clarke atribui uma estrela apenas aos produtores Cavicchioli, Francesco Bellei e Vittorio Graziano, e apenas dois Lambrusco ostentam os tre bicchieri no renomado Gambero Rosso.
Contudo, alguns produtores lutam para trazer de volta o Metodo Ancestrale, no qual a segunda fermentação ocorre na garrafa, e que costuma resultar num vinho de características distintas. Um dos produtores que lideram esta tendência, o Consorzio Marchio Storico dei Lambruschi Modenesi, reúne 37 produtores em quatro DOCs: Lambrusco di Sorbara, Lambrusco Salamino, Lambrusco Grasparossa di Castelvetro e Lambrusco di Modena, sendo que as três primeiras têm seus nomes retirados das três variedades de uva utilizadas na região.
A principal e mais significativa mudança que alguns produtores trazem é a redução da quantidade de açúcar residual no vinho, o que por si só já é uma quebra de paradigma. Outra alteração é a busca por uma maior mineralidade, sendo que Andrea Briccarello, sommelier do Piemonte que integra o painel de julgadores do Decanter World Wine Awards (uma das principais e mais respeitadas premiações do mundo do vinho), destaca que alguns Lambruscos de dosagem zero chegam a ter uma qualidade semelhante a um bom Champagne.
Alguns dos produtores já começam a apresentar resultados surpreendentes: o Vigna del Cristo 2014, produzido com a variedade Lambrusco di Sorbara pela Cavicchioli, alcançou 95 pontos na avaliação de Andrea Briccarello, que destaca sua persistência e elegância; ou o Villa di Corlo, da Corleto, produzido com a Grasparossa, que o mesmo Briccarello destaca como um vinho "incrivelmente estruturado e intenso". Contudo, o enólogo Sandro Cavicchioli, da casa que tem seu nome, destaca que o resultado do trabalho de hoje será visto no futuro, e que estes são vinhos para as próximas gerações.
O Lambrusco, portanto, pode surgir como uma alternativa barata de espumante de alta qualidade, com um apelo único e uma versatilidade gastronômica de fazer inveja. A única parte ruim: enquanto o Lambrusco de qualidade superior não se populariza, ainda será necessário ir até a Itália para conferir a qualidade desses vinhos, já que é praticamente impossível encontrar qualquer um desses rótulos - ainda.
Não importa se os produtores da região se incomodam com a imensa popularidade que o Lambrusco detém até hoje. O importante é que existe o interesse de se produzir um vinho distinto e de altíssima qualidade, que reflita o melhor que a Emilia-Romagna pode oferecer.
PARA PROVAR:
O Concerto, excelente Lambrusco seco da Medici Ermete que por dez anos recebeu três "bicchieri" (nota máxima) no Gambero Rosso, está disponível na Decanter, que tem também alguns outros excelentes rótulos do produtor - incluindo o espumante rosé Brut Unique, feito no método tradicional com uvas da região.
Comentários