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Foto do escritorGuto Martinez

O que a rolha revela

Você abre seu vinho e a primeira coisa que faz - consciente ou inconscientemente - é contemplar a rolha de cortiça como se ela quisesse nos dizer alguma coisa. Seu cheiro, seu aspecto geral, seu tamanho… É um universo! Compacta, condensada, inteira! Você traz a rolha para o nariz, aspira, se esmera em sentir aromas e cheiros, no fundo se perguntando o que deve notar, se o aroma do próprio vinho, ou algum odor estranho a ele…


A questão é que não tem como fugir desta etapa, porque a rolha, ou qualquer outro método de fechar a garrafa, ocupa um espaço importante desde o momento em que o líquido é colocado em garrafa, até que seja apreciado.


Um fato que não se pode esquecer é que as rolhas são feitas de um produto relativamente raro, que é a cortiça, extraída da casca do sobreiro após 25 a 30 anos de maturação da árvore, sendo que depois deste momento, apenas a cada 9 anos é retirada uma nova camada, e apenas 30% da produção tem qualidade suficiente para virar rolha.


O maior produtor mundial é Portugal, com aproximadamente metade da produção mundial, mas o produto também vem da Espanha, norte da África, Itália e França.


A rolha, por ser um produto natural, está sujeita à presença de corpos estranhos, como o TCA (2,4,6- Tricloroanisole, ou o chamado “fungo da cortiça), e por este motivo é que devemos cheirar a rolha: um aroma de bolor pode indicar um problema de contaminação; odores de terra, ovos podres, vinagre, gerânios ou outros podem indicar problemas no armazenamento ou produção, entre outros.


O comprimento da rolha


Ao se retirar a rolha da garrafa, uma das primeiras coisas que podemos observar é seu comprimento, pois há alguns vinhos cuja rolha parece ser maior que o normal. Tratam-se das rolhas naturais de guarda, ou seja, feitas integralmente de cortiça pura. Esta rolha é a ideal para que o vinho amadureça corretamente, pois permite a passagem da quantidade ideal de oxigênio necessário para a maturação do vinho.


Uma rolha mais comprida indica que o vinho poderá aguentar mais tempo em garrafa sem estragar, observadas as condições ideais de temperatura e iluminação em seu armazenamento. Os grandes toscanos apresentam em sua maioria este tipo de rolha.


Os vinhos licorosos e outras bebidas espirituosas, por sua vez, tendem a necessitar tipos de rolhas que permitem garantir a mesma qualidade de armazenamento, mas com maior versatilidade. Muitos produtores optam, então, por utilizarrolhas colmatadas, que utilizam um pó de cortiça misturado a resinas naturais para preencher os poros, também chamados lenticelas. Este tipo de rolha é extremamente prático, com uma bela aparência homogênea, e que permite fazer formatos diversos, o que a torna uma das preferidas dos produtores.


O vinho do Porto normalmente é fechado utilizando a rolha colmatada associada a uma tampa plástica, de vidro ou outro material, removível com as mãos – a rolha capsulada ou “t-cork”-, o que evita a destruição da rolha e permite seu fechamento por diversas vezes.

Vinhos voltados ao consumo rápido, em até três anos, ou os vinhos de entrada, costumam utilizar um tipo de rolha que se vale de uma espécie de compensado ou aglomerado de alta densidade, feito de partes menos nobres da cortiça, os quais são processados e moldados no formato necessário – as rolhas de formatos atípicos são normalmente feitas por este método – alguns corticeiros estão até mesmo desenvolvendo rolhas deste tipo que dispensam o uso do saca-rolha, se valendo de um sistema de rosca feito na garrafa que permite abrir o vinho com a mão, sem muito esforço.


Em alguns casos, podemos ver um ou dois discos de rolha colados nas extremidades das rolhas para aumentar a semelhança com as rolhas naturais, sem incorrer no alto custo deste outro tipo. Os produtores insistem que não se trata de um produto inferior, mas sim voltado para usos diversos da rolha natural, pois o aglomerado se comporta de maneira diversa, evitando a oxidação de vinhos que não suportam a troca de oxigênio que amadurece o conteúdo das garrafas.


O champignon dos champagnes


O respaldo dessa informação pode ser dado pelas rolhas do mais célebre espumante do mundo: os Champagnes são fechados com rolhas técnicas após a segunda fermentação, as quais se utilizam da rigidez do aglomerado na parte superior, o que permite o manuseio na abertura, e de discos de rolha natural, mais elástico, facilitando a inserção no gargalo e permitindo a vedação correta da garrafa, mesmo sob grande pressão. Daí vem o característico formato de “Champignon”: a parte macia da rolha pode ou não voltar ao seu tamanho, mas a parte aglomerada permanecerá no formato em que foi colocada.

Alguns vinhos necessitam de uma vedação hermética, tais como os vinhos brancos ou de consumo jovem, como alguns Pinot Noir. Esta questão, aliada à alta incidência de TCA em meados dos anos 60, fomentaram o desenvolvimento de um método de fechamento por rosca metálica (normalmente alumínio) com vedação em plástico inerte, o que deu origem àstampas de rosca ou “screw caps”. A utilização crescente deste método traz vantagens e desvantagens, assim como a utilização de rolhas, mas deve haver critério na seleção de cada uma, por parte do produtor. O avanço tecnológico já permitiu, inclusive, simular as trocas de oxigênio das rolhas naturais em “screw caps”, mas muito ainda se discute sobre a sua viabilidade e, principalmente, a eliminação de um dos elementos mais ecológicos produzidos.


Rolhas com espuma de silicone, a vilã das vinícolas?


As rolhas artificiais, feitas de uma espuma de silicone de alta densidade, surgiram nos anos 90 com uma grande discussão entre os mais tradicionalistas e os defensores dessa inovação tecnológica. Elas são feitas de material inerte e que possibilita a guarda do vinho na vertical, além de possibilitar a produção de vedantes coloridos, e tudo a um custo muito baixo.


Aliás, essa vantagem acabou transformando esta alternativa numa vilã das vinícolas, pois a sua utilização foi associada a um produto inferior, o que não é necessariamente verdade.

É possível encontrar muitos vinhos do Novo Mundo com qualidade que utilizam rolha artificial, e até mesmo grandes nomes defendem a sua utilização, por não haver possibilidade de contaminação do vinho por TCA, cuja incidência ainda varia de 0,5% a 3% dos casos, conforme a fonte que se consulta.


A diversidade e criatividade dos produtores nos traz diversas outras opções no envase de vinhos, tendo se popularizado os vinhos em embalagem longa-vida e até mesmo em latas idênticas às de refrigerante. Tais opções popularizam o consumo do vinho, e não devem ser consideradas como erradas, pois num mercado com tantas opções para todos os gostos e bolsos, é de se comemorar a diversificação também do envase.


Afinal, cada momento pede seu ritual, que pode ser o de desrosquear uma garrafa, o de estourar um espumante, ou uma mera puxada de anilha metálica – o que importa mesmo, afinal, é o prazer de beber!

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