Associação de 8 produtores teve primeiras conversas em 2020, e busca consolidar qualidade pela troca de experiências
A reputação do vinho chileno já atingiu maturidade suficiente para que muitos dos seus rótulos sejam facilmente identificados por qualquer enófilo, mas muitos deles estão intimamente ligados às regiões mais centrais, já comentadas aqui no site. Agora, uma nova associação lançada em dezembro na cidade de São Paulo quer mostrar alguns dos excelentes resultados obtidos na porção mais austral do país: A Sur Chileno.
Resultado da união de oito pequenos produtores que foram para a região ao sul do Valle del Tutuvén, hoje a procura por novos locais de produção atingiu patamares mundiais, principalmente pelo reconhecimento de nomes como Itata, Bío-Bío, Malleco e Austral. Os principais objetivos destes produtores, em sua maioria pequenas famílias e moradores locais, eram o reconhecimento da história e cultura locais, uma melhoria nas práticas produtivas com sustentabilidade, cooperação, unidade e respeito ao comércio justo.
A tarefa não era pequena: até pouco tempo grande parte da produção das vinhas dessa região era utilizada para vendas a granel de outros produtores, sem qualquer distinção ou qualidade; Jancis Robinson e Hugh Johnson, na quinta edição de seu Atlas Mundial de Vinhos, de 2005, dedica poucas linhas para a região, deixando para o futuro um detalhamento maior. Mostrar o imenso potencial dos vinhos produzidos por ali, então, ganha contornos de uma tarefa muito maior, embora haja diversos vinhedos com em vinhas centenárias, que por vezes foram esquecidas, e que aparentemente encontraram por ali condições tão boas que ficaram livres de pragas e outros problemas sem qualquer intervenção.
Climaticamente, a região possui verões curtos, secos e amenos, e invernos particularmente chuvosos que acabam deixando o solo com boas condições de fornecer a umidade necessária durante o restante do ano, o que favorece o amadurecimento das uvas com bom teor de açúcar. O solo é formado principalmente por terrenos aluviais, com maior ou menor influência dos rios que partem tanto dos Andes quanto da Cordilheira da Costa, mais baixa, gerando diversos terroirs distintos.
O projeto foi apresentado por François "Pancho" Massoc, enólogo chileno de ascendência francesa com formação na Borgonha, possui duas propriedades na região, a Aristos e a Massoc Frères, com participação e consultoria em diversos outros projetos de sucesso. Não por acaso, alguns dos principais produtores já passam a trabalhar com uvas como Pinot Noir e Chardonnay, com resultados muito animadores, além das tradicionais País, Moscatel de Alexandria e Sémillon.
Embora o projeto seja jovem, a Sur Chileno deve trazer ainda muitas surpresas, considerando o interesse crescente na região, aliado à missão da Associação de promover a investigação, troca de experiências e criar novos vinhos.
Notas de Degustação
Blanco de Rulo - Moscateo de Alejandria
Vinhas de mais de 70 anos e fermentação em "tinajas" (grandes ânforas) de argila. Concentração alta e aromas bastante cítricos (laranja), notas de mel, frutas amarelas e flores, com muita tipicidade, alguma evolução e muita mineralidade. A boca é bastante vibrante, com ótima acidez gastronômica, e um final que lembra própolis. Claramente um vinho orgânico e natural de grande qualidade.
Pandolfi Price - Los Patricios Chardonnay
Os vinhedos para produzir este rótulo foram implementados em 1992 a 80km do mar. Fermentado em barricas francesas, passa por 22 meses de estágio para deixar uma influência marcada da madeira. Os aromas de frutas amarelas (manga) e brancas (pêssego) com flores brancas vêm com notas de baunilha, caramelo. Na boca, a sensação de calor e a untuosidade vêm mescladas de sensações de toffee com a acidez equilibrada, e um final que leva a frutas amarelas bem maduras. Uma complexidade muito saborosa de elementos num vinho que promete agradar quem prefere um Chardonnay bem barricado, e que pode ser guardado por mais de 10 anos tranquilamente: é a Borgonha no Chile.
Riveras del Chillán - Escogido Sémillon
Os vinhedos anteriores a 1950 ficam a 70 km do mar em terraços aluviais do rio Ñuble. Na produção são usados tanques neutros e barricas usadas para uma passagem de 3 meses, além de 4 meses de contato com a pele, aportando notas de especiarias com os aromas mais florais da variedade, além de um ligeiro frutado. A boca traz uma boa acidez e um final limpo, com um ligeiro amargor agradável.
Riveras del Chillán - Extinto Rosé
São cinco variedades neste rosé de vinhas velhas: Corinto, Moscatel Rosado e Blanco, País e Malbec, plantadas juntas nos vinhedos. A fermentação conjunta é feita em ovos de concreto e em contato com as cascas, com pouca passagem por barricas. Os aromas de frutas vermelhas são bem marcantes, com uma boca viva e também frutada, com persistência média e final muito agradável. Um rosé delicioso!
Tinto de Rulo - Pipeño
A tradicional variedade País vem de forma bastante rústica neste vinho, que passa por barricas de rauli (uma madeira local, mais suave que o carvalho) por aproximadamente 6 meses. Considerada a Pinot Noir do local por Pancho Massoc, com excelente potencial quando bem cuidada, traz um nariz mais discreto com frutas vermelhas e negras, notas terciárias começando a surgir e especiarias muito discretas (pimenta preta). Na boca, a acidez e os açúcares estão num belo equilíbrio, os taninos são delicados e agradáveis, e a persistência média a longa mostra muita qualidade. Um dos melhores vinhos dessa variedade.
Clos de Fous - Pour Ma Gueule
Um corte de País, Cinsault e Carignan com pouquíssima passagem por madeira, traz um nariz fresco com notas saborosas de frutas vermelhas e herbacidade (manjericão). Paladar fresco, com muito equilíbrio entre os elementos, taninos mais discretos e um final limpo -realmente um vinho para beber!
Pandolfi Price - Los Patricios Pinot Noir
Com alguns dos vinhedos mais jovens dessa degustação (2011), este vinho passa por 22 meses em barricas francesas. O nariz traz tanto as notas de frutas vermelhas maduras (cereja) com especiarias e aromas de bosque, folhas secas, num claro encontro das características chilenas com a Borgonha. A boca é sedosa, defumada, com delicadeza e potência ao mesmo tempo, apresentando acidez agradável, taninos bem trabalhados, um fabuloso Pinot Noir.
Clos de Fous - Cauquenina Blend
Um corte de 6 uvas: Carignan, Syrah, Malvec, País, Carménère e Touruga Nacional produzido em Itata com vinhas de mais de 80 anos, e uma passagem de 18 meses em carvalho francês. Pensado como um vinho mais "feminino", rem os aromas de frutas vermelhas e negras bem maduras, especiarias, com mais profundidade e complexidade. Na boca, intensidade e grande estrutura encontram acidez e um final prolongado, saboroso e potente. Lembra quase um Chateauneuf du Pape.
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